Série - Brasil da COVID-19
Abaixo segue a primeira parte de uma série de mapas cujo objetivo é contribuir para a compreensão das desigualdades socioespaciais referentes, em particular, a infraestrutura médico-hospitalar no Brasil, tão cara nesse momento de pandemia da COVID-19. Nessa etapa trabalhamos cinco variáveis que nos parecem ser reveladoras dos contrastes do acesso da população brasileira aos equipamentos de saúde: número de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), número de respiradores/ventiladores, população idosa, número de infectados e de óbitos por COVID-19 (esses últimos referentes a data de 23/04/2020). Todos esses dados tabulados em níveis estaduais (incluindo o Distrito Federal) e projetados em escala nacional.
figura 1- SRAG hospitalizado por faixa etária
Fonte: <https://covid.saude.gov.br/> acesso em: 26/04/2020
A respeito da obtenção das informações, é preciso esclarecer que trabalhamos com dados aproximados por dois motivos: 1º- Optamos por utilizar os dados do último censo demográfico realizado em 2010. Neste ano de 2020, realizar-se-ia o próximo Censo Demográfico pelo IBGE, interrompido devido a pandemia; 2º- Verificamos algumas inconsistências nos dados disponibilizados pelo DATASUS, particularmente em âmbito municipal. Por hora, estas serão deixadas como estão e se muito expressivas serão notificadas ao leitor. Dessa forma, manteremos a originalidade dos dados oficiais disponibilizados sem a necessidade de alteração.
A opção por utilizar a população idosa como eixo nesta análise se deu pelo fato desta se configurar como um grupo de risco e ser o segmento populacional mais hospitalizado com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ocasionada por, entre outros coronavírus, o SARS-CoV-2, causador da COVID-19. A SRAG é um dos quadros clínicos desenvolvidos por alguns pacientes infectados pelo vírus e de acordo com os dados oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde, a população idosa (acima de 60 anos) se destaca como podemos observar no gráfico apresentado na figura 1.
A partir de uma análise na escala nacional como apresentado no Mapa 1 é possível observar três cenários: 1. As regiões Nordeste e Sul apresentam as situações mais críticas, a maior parte dos estados possuem no máximo 2,5 UTIs por mil idosos. O Nordeste é ainda mais preocupante por conta do número expressivo de casos confirmados e de óbitos por COVID-19, com destaque para PE, CE, MA e BA; 2. A região Sudeste apresenta uma situação intermediária na escala nacional e internamente mais desigual. Os estados do ES e RJ apresentam os quadros mais satisfatórios regionalmente, com 3,6 a 4,1 UTIs por mil idosos, enquanto MG expõe o quadro mais crítico, ainda mais por ser um estado muito populoso. Está ainda no Sudeste os estados com maior número de casos confirmados e óbitos por COVID-19, RJ e SP; 3. As regiões Centro-Oeste e Norte exibem as situações menos críticas nacionalmente, embora contrastantes no interior de cada região. No Centro-oeste os cenários menos preocupantes estão no MT e, principalmente, no DF, com uma relação de quase 8,5 UTIs por mil idosos, é exatamente a sede do Governo Federal onde está o maior número de infectados na região. No Norte, por sua vez, evidenciam as situações menos alarmantes, a princípio, no AP e no AM, enquanto no PA está a situação mais crítica regionalmente. No entanto, como é possível notar, o estado do AM possui o maior número de casos confirmados e de óbito, apesar de ter uma das melhores condições na relação UTIs por 1000 idosos da região.
O mapa 2 reforça algumas tendências do mapa anterior e aponta outras específicas da relação entre respiradores por mil idosos no território brasileiro. A região Nordeste, assim como no mapa 1, apresenta a situação mais crítica. Todos os estados com a menor proporção respiradores/mil idosos encontram-se nessa região: MA, PI, PB e AL. O estado do CE também é preocupante, tendo em vista o número expressivo de casos confirmados e óbitos por COVID-19. Apenas PE exibe uma situação intermediária, em comparação a demais unidades federativas do país. Nas demais regiões as situações são relativamente parecidas internamente, com a proporção de respiradores/1000 idosos variando 2,1 a 5,5. Sendo que a exceção, em termos positivos, fica por conta do DF que exibe uma proporção de 10,2 respiradores por cada grupo de mil idosos.
Mapa 2 - Respiradores/ventiladores por idosos, óbitos e casos confirmados por COVID 19 - Brasil
Ainda analisando as desigualdades, seguimos observando o Mapa 3 que procura evidenciar a relação da porcentagem da população idosa das Unidades da Federação com os equipamentos médico-hospitalares disponíveis.
No que se refere a este segmento da população, destacam-se os estados do Centro-Sul (incluindo o DF) e Nordeste, onde os idosos representam mais de 10% da população total exceto nas Unidades Federativas de MS, SE, AL, TO, MT, MA e DF com a taxa de 9,77%, 8,99%, 8,85%, 8,5%, 7,9%, 7,55% e 7,96%, respectivamente. Já os estados da região Norte se apresentam com as menores porcentagens da população idosa, variando de 5,1% no Amapá à 7,2% em Rondônia.
Como já evidenciado anteriormente, o Distrito Federal é a unidade político-administrativa com o cenário menos crítico: taxa da população idosa mediana/baixa em comparação à outros estados e com a maior disponibilidade de equipamentos por mil idosos. Os estados da região Nordeste, o oposto. Elevada proporção de idosos com as menores disponibilidade de equipamentos. Nos estados de PI e PB, a título de exemplo, estão disponíveis 1,31 e 1,83 respiradores e há 1,78 e 2,09 leitos de UTIs para cada mil idosos. Lembrando que estes estados possuem a maior porcentagem idosa da região com destaque para a PB.
Mapa 3 - Porcentagem da população idosa, respiradores e leitos de UTI por mil idoso
Dentre tantas possíveis análises que esses mapas permitem, não poderíamos nos furtar em problematizar a questão que envolve a comparação dos estados do RS e AM no que se refere ao quadro de fragilidade estabelecido ao relacionar a porcentagem da população idosa e equipamentos médico-hospitalares por mil idosos.
O já destacado quadro do AM se comparado com o do RS – estado com a maior porcentagem de idosos do país e um dos que menos dispõe de equipamentos – nos induz ao entendimento que no estado da região Sul a situação de risco da população é idosa seria mais provável. Porém, observa-se nos Mapas 1 e 2 que o número de óbitos é maior no AM mesmo com um quadro menos crítico em relação ao RS. Até o dia 23/04/2020, o estado da região Norte confirmou 2.888 casos de COVID-19 e 234 óbitos, enquanto RS registrou para o mesma data, 994 casos da doença e 29 óbitos.
Um estudo mais minucioso dos estados e do DF deve nos aproximar do entendimento sobre o comportamento do fenômeno descrito acima. Afinal, a análise das variáveis aqui trabalhadas não são suficientes para apreender a complexidade que envolve essa questão.
Figura 2 - Casos confirmados, rotas principais, eixos de dispersão do coronavírus, índice de envelhecimento populacional - Estado de São Paulo
Fonte: <http://covid19.fct.unesp.br/mapeamento-cartografico/> Acesso em: 26/04/2020.
Por exemplo, o estado de São Paulo até o dia 23/04/2020, segue sendo o maior foco da doença no Brasil, com 16.740 contaminações e 1.345 óbitos. Mesmo identificando este estado com a maior população idosa absoluta, representando 11,5% do total, e uma média de disponibilidade de 3,5 equipamentos hospitalares por mil idosos, essas informações não são suficientes para explicamos o(s) epicentro(s) da doença no Brasil e suas formas de disseminação.
Destacamos aqui, os esforços feitos nas universidades do Brasil, como o RADAR COVID-19, que é um trabalho desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FCT-UNESP) que busca, entre outros objetivos, entender a contaminação do vírus no Estado de São Paulo.
Uma das evidências destacadas na figura 2, Mapa- “Casos confirmados, rotas principais, eixos de dispersão do coronavírus, índice de envelhecimento populacional - Estado de São Paulo” (Pugliese, 2020), é justamente que, em São Paulo o vírus segue um padrão de contaminação da capital para o interior através dos principais eixos rodoviários.
Assim sendo, percebe-se a relevância de mapear não apenas os grupos de risco e equipamentos hospitalares, mas também, uma gama de variáveis que envolvam o espraiamento da doença no Brasil.
Na série subsequente que iremos lançar aqui no site, continuaremos com os esforços de contribuir com o mapeamento das variáveis apresentadas, porém, nas escalas dos estados e do DF. Buscando pistas para identificar e problematizar as desigualdades socioespaciais no território brasileiro e dialogando com segmentos da população, pesquisadores e poder público.
Aguardem!